O MÚSICO Cremildo dos Santos Ricardo Dias, popularmente conhecido por Kekey, afirma que a Lei do Mecenato não está a ser implementada em Moçambique, para além de que a classe empresarial não investe nesta área, alegadamente por não dar lucros.
De origem zambeziana e actualmente a residir na cidade da Beira, Kekey foi vencedor do Top Ngoma Moçambique 2013, parada em que concorreu com a música “Zena”.
“Os empresários não apostam muito nesta área porque não têm retorno. A Lei do Mecenato não se faz valer. Olha, a minha música ‘Zena’ esteve três meses em primeiro lugar na RTP África a concorrer com grandes nomes da música internacional”, referiu.
Sublinha a importância de ter que se investir mais na cultura para que os valores de que o país dispõe possam ganhar notoriedade dentro e fora de Moçambique, engrandecendo ainda mais o nome do país.
Para ele, alguns empresários não se mostram disponíveis a investir na música ou na cultura também por temerem represálias financeiras, pois entendem que o Ministério das Finanças pode lhes cair em cima.
“Não há investimento na música. Há actos que desencorajam alguns investidores. Nos outros países, os que apoiam a música têm benefícios fiscais, enquanto aqui não. É pena”, lamentou.
Questionado sobre o papel da Casa da Cultura da Beira, ora reaberta, o artista acredita que os gestores possam capitalizar o facto de ali ser um ponto de convergência de todos os fazedores de cultura.
“Como disse, gosto de música. Estou a preparar o meu segundo álbum. Não tenho pressa. Faço as coisas sem pressa. Também encorajar aos empresários para que invistam no músico moçambicano porque temos talento para dar e distribuir. O estrangeiro deve vir aqui beber a nossa música e não voltar pensando que somos coitadinhos”, disse.
Kekey entende que o Estado deve fazer mais para revolucionar a música, pois actualmente vive-se num autêntico marasmo, no que diz respeito à qualidade.
A intervenção do Estado nesta matéria pode ajudar a solucionar o problema.
“O país deve trabalhar mais para mudarmos o cenário. A música pode não dar muitos efeitos palpáveis mas ela constitui uma das formas de relaxamento, uma boa disposição. Em qualquer fórum há sempre algo relacionado com música, logo ela é importante na vida das pessoas”, referiu o músico Kekey, para quem os artistas não são devidamente valorizados em Moçambique.
“Há pessoas que quando ouvem a minha música sentem-se relaxadas. Quer dizer, ela também funciona como medicamento de cura para algumas pessoas. Sem querer entrrar em comparações, por que é que o médico ou juiz são mais valorizados e o músico não?”, questionou o músico.
Afirmou que os músicos, por exemplo, ajudam muito na disseminação de mensagens de educação da sociedade. Portanto, a música é um veículo de educação social. Ela é cultura.
Não obstante isso, ele reconhece haver músicos que produzem temas, cujos conteúdos em nada contribuem para a moralização da sociedade.
Viver de Música?
“Acredito que fora da cidade de Maputo quase que nenhum artista consegue viver de música. Se existem então devem ser um ou dois em cada província, mas também de forma muito desenrascada”. É assim que Kekey respondeu, à questão sobre se era possível viver de música.
Mesmo assim: “a música promete porque os músicos estão incansavelmente a trabalhar”.
Ele alimenta a música, tirando dinheiro do seu próprio bolso. Por isso, aventa a hipótese de um dia vier a parar de produzir.
“Se fosse pela música nem sei se poderia ter conseguido uma bicicleta (risos). A direcção do cache está como uma bacia inclinada com água. Até agora só se pode viver de música em Maputo. Apesar disso, há pessoas que trabalham para revolucionar a música, apoiando alguns artistas. Espero que estas pessoas não desistam de apoiar porque só assim é que podemos crescer”, ajuntou.
Ngoma encorajou-me
Nunca toquei no Festival de ZalalalaMúsicos vistos como mendigosA “Mentirosa”
O Top Ngoma de Moçambique, promovido pela Rádio Moçambique, consagrou o artista Kekey com a música “Zena” como a Canção Mais Popular, numa cerimónia realizada na cidade de Chimoio, província de Manica.
“Estou grato ao povo moçambicano por me ter dado esta oportunidade. Sinto que valorizaram a mim e a minha música, o que é encorajador. Foi mais uma oportunidade que o país me deu para ir mais além. Um voto de confiança. Com este prémio do Top Ngoma Moçambique, sinto que deixei de ser embrião e passei a ser um dos músicos com responsabilidade”, explica.
Diz ainda que o prémio foi uma oportunidade para que ele tome atenção em relação à sua trajectória, pois começa a ser espelho para os moçambicanos. “É só imaginar a tamanha responsabilidade. Isso é como se fosse um cargo de chefia (risos), porque hoje é chefe e amanhã já não o é. O prémio não é uma porta aberta para o relaxamento mas é para trabalhar ainda mais”, afirmou.
SOBRE o estágio da música em Moçambique, Kekey disse não poder fazer uma análise geral do cenário nacional, mas entende que é preciso fazer um pouco mais.
“Converso muito com artistas e eles dizem que a nossa música é mais conhecida lá fora. Por exemplo, no estrangeiro quando um músico vence concursos é dado outro destaque, mas aqui já não é assim. E mais: sou da Zambézia, e a cidade de Quelimane realiza festivais de Zalala e há dois anos que o público pede a minha presença, mas nunca fui convidado para actuar. Nunca toquei no festival de Zalala”, conta o músico, algo triste.
Diz ficar ainda admirado porque nunca recebeu nenhum convite para ir ao Festival de Zalala. “Interrogo-me sobre as razões desse tratamento, justamente para um músico como eu, modéstia à parte. O público pode até pensar que os artistas desprezam-lhes enquanto não. Só não há convites. Por exemplo, no carnaval, em Quelimane, usam a minha música para publicidade mas eu não estou lá. É estranho”, desabafou.
Segundo conta, os músicos não são devidamente remunerados em Moçambique. E não são poucos aqueles que olham para os artistas, sobretudo músicos como mendigos.
Afirma ser normal ouvir-se que determinado músico, com cerca de 40 anos de carreira, foi despejado da casa onde vive porque não conseguiu pagar a renda de casa.
“É triste hoje saber-se que um artista vive numa casa alugada porque não consegue construir a sua própria casa. Um advogado anda em fatos que nunca mais acabam, enquanto o músico anda com calções rotos. Também é triste apanhar um músico a chupar uma laranja em plena hora de almoço porque não consegue comprar uma refeição. Eu gosto de fazer música, mas tenho que me dedicar a outras tarefas uma vez que de música, como disse, não se pode viver”, comentou.
Contou um episódio em que um empresário chinês ficou admirado ao ver na televisão um vídeo-clip seu a passar, tendo questionado se era ele ou não, ao que respondeu afirmativamente.
“Ele disse me que não era possível que, como estrela, estivesse tão humilde. E que no país dele as estrelas eram bem tratadas, contando com um aparato de segurança, entre outras mordomias, diferentemente daquilo que está a acontecer comigo. Ele já conhecia a minha música a partir do exterior e assim prometeu levar-me para o país dele, onde irá apresentar-me a várias personalidades”, anotou.
O PRIMEIRO disco do músico Kekey teve como título “’Muthambi”, palavra que em português significa “Mentirosa”.
Ele explica que deu este título devido ao tema que mais lhe marcou. A ideia era que esta fosse a música mais conhecida e tocada, mas “Zena” acabou se celebrizando.
“Muthambi” é uma história que marcou muito moçambicanos. Quer dizer, de forma particular algumas pessoas entregam o seu coração e dedicam a sua vida, mas a meio do caminho encontram uma decepção. Esta é uma chamada de atenção para as pessoas. Eu esperava que esta fosse a música mais famosa porque, para mim é mas, afinal, acabou sendo Zena a consagrar-me (risos)”, afirmou.
“Não esperava que esta música, ‘Zena’, atingisse o que atingiu (risos). Eu fiz esta música para completar o disco. Todas as faixas estavam compostas e foi preciso arranjar, à última hora, mais uma para completar o CD. Foi ai que fiz ‘Zena’ que, afinal, acabou sendo a música que marcou o álbum. Acho que não vou conseguir produzir um CD melhor que este. As pessoas é que podem fazer o juízo sobre o que vou produzindo, contudo o meu produtor disse que esta música seria uma faixa marcante, e afinal tinha razão”, lembra-se Kekey, que agora se prepara para lançar o segundo disco, entretanto, ainda sem datas para o efeito.
“Gosto de fazer as coisas devagar. Quero que as pessoas continuem a apostar em mim. Não sou apologista de colocação de muitas faixas no CD. Já tenho muitos temas novos, mas não farei nada a correr”, garantiu.
ANTÓNIO JANEIRO Jornal Noticias
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